O historiador lida com a dimensão temporal. A todo momento embarca numa viagem incerta em busca da reconstrução do passado. E ele, o passado, tem a característica límpida de afetar o presente daqueles que o encontram cara a cara, que de alguma forma se veem conectados às tramas que o surpreendem pela leitura, pelo olhar. Quando reconstruímos, ou pelo menos tentamos de acordo com o instrumental que possuímos, o passado de outrem, obviamente não há pessoalidade envolvida.
Não há sentimentos íntimos entrelaçados na trama, mas sim apenas pensamentos, conjecturas, invenções técnicas, já que não estamos escrevendo sobre nós mesmos. No entanto ao costurarmos mentalmente ou à tinta e pena o nosso passado não conseguimos ter total comprometimento com a feitura científica, mesmo que queiramos. Adentramos no universo da nossa mente, altamente construída pelas nossas experiências ao longo da vida, pelos sabores experimentados através da felicidade, pelos dramas diários, pelos problemas e reveses cortantes do corpo e da alma. Vetores que desviam o pensar e o escrever dos seus espaços devidos no agora.
E é isso que acontece com o historiador. Ele trabalha com a ideia de dar ao passado o seu devido espaço de consumo no presente, mesmo que tal resgate seja por demais pesaroso ou dificultado pela escassez de verdade tateável, entretanto dificilmente conseguirá reproduzir tal trabalho ao lidar com o seus momentos pregressos. O seu passado não está divorciado dos seus sentimentos mais profundos. As emoções por ele vividas, sejam elas as melhores ou as piores, mas por obviedade as últimas são aquelas que, quando não rememoradas corretamente atuam como bloqueios mentais ao esclarecimento e alocação prudente das mesmas, agem na não efetivação de um apropriado lugar para o passado seu.
Talvez o correto lugar para o passado seu seja aquele que nem passe pelo silenciamento definitivo, já que silenciamentos sequer podem ser conseguidos em condições psicológicas naturais, muito menos pelas lembranças viciosas e intrusivas que servem como obstáculo teimoso ao seguir adiante, ao avançar na vida, ao continuar a escrever novas e mais sólidas memórias. O historiador é humano. Até nós mesmos, por vezes, esquecemos a condição primeira da nossa existência.
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