Quando inicio a discussão sobre o tema nas turmas que
leciono, sempre procuro deixar em evidência que a real independência do Brasil
não aconteceu tão somente amalgamada ao grito solitário de D. Pedro I, às
margens do famoso riacho Ipiranga e da efetiva participação popular na política
oitocentista. Separar-se de Portugal naquele ano significou um afago doce nas
cortes brasileiras, representantes de uma pequena parcela da grande população,
ainda sem liga identitária, residente no Brasil. As distâncias entre a
declaração do fanfarrão imperador e os desdobramentos administrativos
sequenciados no Rio de Janeiro, bem como as mudanças erigidas no corpo social
se apresentaram do tamanho do território nacional: gigantes.
Porém, dada a ainda forte tradição ufanista/nacionalista na
composição dos conhecimentos históricos brasileiros e nas mentalidades
docilizadas daqueles que consumiram a verdade de um país livre e bem resolvido
através do 7 de setembro, a tentativa ousada de opor-se a tal concepção
cristalizada pode se constituir um equívoco aos ouvidos que escutam o
controverso, o diferente. A reação de estranhamento é evidente e vem acoplada
de um sentimento de rebeldia e euforia visualizado em qualquer pessoa que, num
movimento contrário, urda o tecido da emancipação nacional num trabalho longo e
contraditório.
Na política a distância se traduz em um povo que não
conheceu o poder da sua pluralidade através do núcleo decisório da recente
monarquia. A constitucionalidade do poder palaciano abraçou a poucos engomados
e perfumados descendentes da Casa Grande, menosprezando aqueles que,
consequentemente, não a viram sequer pelas frestas da Senzala que se perpetuou
e se ressignificou ao longo dos anos na forma de amplos espaços de opressão e
exclusão social.
Já no distanciamento cultural e simbólico entre o 7 de
setembro e toda a sua indumentária para com o indivíduo brasileiro, até então
ainda em gênese, é notável como houve e se estende um desalinho entre a
oficialidade e o popular. Dá-se no campo do gênero, onde o masculino e a
representatividade pública se constituíram um muralha que dilacerou até
recentemente o ocupação de cargos governativos proeminentes pelas mulheres.
Dá-se no campo do pertencimento nacional, por meio das ambiguidades e
desorientações de um povo forjado antes mesmo do território ou da própria
nação, ocasionando um forte intervalo de significação entre a vida individual e
a coletiva nos moldes da debutante nação. Ou dá-se até mesmo, ainda na
atualidade, pelo espaçamento entre os monumentos calcados pela inspiração
ideológica europeia. A exemplo de um hino pra chamar de nosso, mesmo que
desconheçamos seu contexto de produção ou mais da metade das palavras dispostas
na sua textualidade.
Possivelmente, o 7 de setembro de 1822 tenha
sido alçado como uma data crua e suscetível a forte cozimento. Cozimento nas
academias, através de intensas prospecções históricas, cozimento nas escolas,
através da crítica comprometida com a isenção dos fatos, ou mesmo nas rodas de
conversa entre os próprios brasileiros, onde os questionamentos advindos do dia
a dia surgem das mazelas que ferem há muito tempo. A cada ano que se passa, e
já se passaram quase duzentos, a apreciação do evento o torna menos enrijecido
e cru, porém lentamente. E é essa lentidão que ainda causa confusão e
indefinição sobre a nossa pátria. Que causa enormes distâncias a serem
removidas ou encurtadas.
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