quarta-feira, 6 de setembro de 2017

7 DE SETEMBRO, UMA DATA DE DISTANCIAMENTOS

             Quando inicio a discussão sobre o tema nas turmas que leciono, sempre procuro deixar em evidência que a real independência do Brasil não aconteceu tão somente amalgamada ao grito solitário de D. Pedro I, às margens do famoso riacho Ipiranga e da efetiva participação popular na política oitocentista. Separar-se de Portugal naquele ano significou um afago doce nas cortes brasileiras, representantes de uma pequena parcela da grande população, ainda sem liga identitária, residente no Brasil. As distâncias entre a declaração do fanfarrão imperador e os desdobramentos administrativos sequenciados no Rio de Janeiro, bem como as mudanças erigidas no corpo social se apresentaram do tamanho do território nacional: gigantes.

             Porém, dada a ainda forte tradição ufanista/nacionalista na composição dos conhecimentos históricos brasileiros e nas mentalidades docilizadas daqueles que consumiram a verdade de um país livre e bem resolvido através do 7 de setembro, a tentativa ousada de opor-se a tal concepção cristalizada pode se constituir um equívoco aos ouvidos que escutam o controverso, o diferente. A reação de estranhamento é evidente e vem acoplada de um sentimento de rebeldia e euforia visualizado em qualquer pessoa que, num movimento contrário, urda o tecido da emancipação nacional num trabalho longo e contraditório.
             Na política a distância se traduz em um povo que não conheceu o poder da sua pluralidade através do núcleo decisório da recente monarquia. A constitucionalidade do poder palaciano abraçou a poucos engomados e perfumados descendentes da Casa Grande, menosprezando aqueles que, consequentemente, não a viram sequer pelas frestas da Senzala que se perpetuou e se ressignificou ao longo dos anos na forma de amplos espaços de opressão e exclusão social.
             Já no distanciamento cultural e simbólico entre o 7 de setembro e toda a sua indumentária para com o indivíduo brasileiro, até então ainda em gênese, é notável como houve e se estende um desalinho entre a oficialidade e o popular. Dá-se no campo do gênero, onde o masculino e a representatividade pública se constituíram um muralha que dilacerou até recentemente o ocupação de cargos governativos proeminentes pelas mulheres. Dá-se no campo do pertencimento nacional, por meio das ambiguidades e desorientações de um povo forjado antes mesmo do território ou da própria nação, ocasionando um forte intervalo de significação entre a vida individual e a coletiva nos moldes da debutante nação. Ou dá-se até mesmo, ainda na atualidade, pelo espaçamento entre os monumentos calcados pela inspiração ideológica europeia. A exemplo de um hino pra chamar de nosso, mesmo que desconheçamos seu contexto de produção ou mais da metade das palavras dispostas na sua textualidade.
             Possivelmente, o 7 de setembro de 1822 tenha sido alçado como uma data crua e suscetível a forte cozimento. Cozimento nas academias, através de intensas prospecções históricas, cozimento nas escolas, através da crítica comprometida com a isenção dos fatos, ou mesmo nas rodas de conversa entre os próprios brasileiros, onde os questionamentos advindos do dia a dia surgem das mazelas que ferem há muito tempo. A cada ano que se passa, e já se passaram quase duzentos, a apreciação do evento o torna menos enrijecido e cru, porém lentamente. E é essa lentidão que ainda causa confusão e indefinição sobre a nossa pátria. Que causa enormes distâncias a serem removidas ou encurtadas.

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