terça-feira, 5 de julho de 2016

QUANDO A MELHOR PARTE FICA PARA O FINAL

Hoje assisti a duas peças audiovisuais que pela sua propaganda inicial me renderam a curiosidade pela sua substância. Uma delas um suposto debate entre um pastor religioso e um youtuber, realizado entre Marco Feliciano e Felipe Neto respectivamente. A outra uma entrevista sucedida ao professor e intelectual brasileiro Leandro Karnal no programa Roda Viva da TV Cultura. Ainda bem que a ordem de apreciação das peças me fez terminar a atividade de entretenimento e aprendizado de maneira satisfatória e, também, de maneira mais importante, produtiva.

Há muito ando rejeitando embates midiáticos dicotômicos que versam pela colisão forçosa de ideias pouco acuradas e profundas, tal como penso ter sido a primeira peça idealizada e produzida, porém cedi esta vez e, mais uma vez, não me agradei do seu teor. Se o pastor é um péssimo debatedor de assuntos que envolvem as individualidades e as diferenças, as singularidades e as contradições, seu oponente não deixou por menos a sua tentativa de contraposição esclarecida da temática em destaque. Falavam sobre gênero e homossexualidade e, pelo menos, Felipe Neto não se expôs ao limiar da ignorância aguda, da negação do bom pensar. Pelo menos. Não há muito mais o que dizer, pois foram 46min que poderiam ter sido melhor aproveitados na investidura do saber.
Como disse antes, ainda bem que a ordem das peças fruiu em boa produtividade. O melhor vinho, aquele trazido por quem sabe produzi-lo pôde ser distribuído pelos parágrafos verbais perfeitos de Leandro Karnal e sua erudição fantástica e passível da boa cobiça. O entrevistado não prega, não afirma de maneira delituosa, pois conseguiu entender ao longo da vida profissional que não há tão infame verruga como a doutrinação, como a tentativa de imposição de ideias verticalizadas que não possam ser tateadas por diferentes olhares críticos. Karnal entende o sentido da diferença e da contradição, pois as escrutina através do primado de diferentes saberes.
A filosofia, a história, a psiquiatria, a psicologia, a pedagogia, dentre outras áreas de estudo mais, são valiosas para o fazimento de elucubrações gestadas pela propriedade do conhecimento adquirido sistematicamente. Ele, a título de exemplo válido, não lê a Bíblia e a toma como verdade transcendente, da mesma forma que não a descarta como objeto inútil e inverossímil, pois o movimento científico de excelência aqui necessário é a sua assimilação em conjunto com aquilo que também o homem produziu em outras temporalidades, numa estratégia de soma prudente. O saber é soma sem centro irradiador da verdade que, não querendo eu cair nos excessos da pós-modernidade, se apresenta como o modelo descritivo do rizoma de Deleuze e Gattari, formado pela enunciação desgovernada de impedimentos epistemológicos.
Karnal falou da política brasileira sem cair no sonho da mudança curativa pós-populismo irresponsável, muito menos no devaneio inocente do golpe escrachado por este partido político propagado. Versou sobre a felicidade e a interatividade digital sem precisar de um saudosismo intencional e estratégico humano, assim como de uma total detração da world wide web como se a mesma nos arruinasse enquanto civilização. Discursou sobre educação nacional, sem perder o foco na resolução dos seus problemas e na real compreensão do seu percurso histórico. Enfim, soube ater-se àquilo que tem propriedade para palestrar.
Interessante que tanto Karnal quanto Feliciano citaram Winston Churchill em suas falas ao referirem-se à democracia. O primeiro disse que ela, a democracia, é uma planta que sempre necessita de água, pois corre sempre o risco de morrer pelas mãos ruins da homogeneização ideológica. O segundo disse que a democracia permite a emissão de diferentes opiniões e, inclusive, utiliza tal premissa para dizer que é antinatural aquilo que para muitos é apenas o amor. Mais uma vez, que bom que a ordem foi essa ao assistir. Fiquei a imaginar como seria frustrante começar com o bom vinho e terminar apenas com uva pisoteada.

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