Hoje assisti a duas peças audiovisuais que pela sua propaganda inicial me
renderam a curiosidade pela sua substância. Uma delas um suposto debate entre um
pastor religioso e um youtuber, realizado entre Marco Feliciano e Felipe Neto
respectivamente. A outra uma entrevista sucedida ao professor e intelectual
brasileiro Leandro Karnal no programa Roda Viva da TV Cultura. Ainda bem que a
ordem de apreciação das peças me fez terminar a atividade de entretenimento e
aprendizado de maneira satisfatória e, também, de maneira mais importante,
produtiva.
Há muito ando rejeitando embates midiáticos dicotômicos que versam pela
colisão forçosa de ideias pouco acuradas e profundas, tal como penso ter sido a
primeira peça idealizada e produzida, porém cedi esta vez e, mais uma vez, não
me agradei do seu teor. Se o pastor é um péssimo debatedor de assuntos que
envolvem as individualidades e as diferenças, as singularidades e as
contradições, seu oponente não deixou por menos a sua tentativa de
contraposição esclarecida da temática em destaque. Falavam sobre gênero e
homossexualidade e, pelo menos, Felipe Neto não se expôs ao limiar da
ignorância aguda, da negação do bom pensar. Pelo menos. Não há muito mais o que
dizer, pois foram 46min que poderiam ter sido melhor aproveitados na
investidura do saber.
Como disse antes, ainda bem que a ordem das peças fruiu em boa
produtividade. O melhor vinho, aquele trazido por quem sabe produzi-lo pôde ser
distribuído pelos parágrafos verbais perfeitos de Leandro Karnal e sua erudição
fantástica e passível da boa cobiça. O entrevistado não prega, não afirma de
maneira delituosa, pois conseguiu entender ao longo da vida profissional que
não há tão infame verruga como a doutrinação, como a tentativa de imposição de
ideias verticalizadas que não possam ser tateadas por diferentes olhares
críticos. Karnal entende o sentido da diferença e da contradição, pois as
escrutina através do primado de diferentes saberes.
A filosofia, a história, a psiquiatria, a psicologia, a pedagogia,
dentre outras áreas de estudo mais, são valiosas para o fazimento de
elucubrações gestadas pela propriedade do conhecimento adquirido
sistematicamente. Ele, a título de exemplo válido, não lê a Bíblia e a toma
como verdade transcendente, da mesma forma que não a descarta como objeto
inútil e inverossímil, pois o movimento científico de excelência aqui
necessário é a sua assimilação em conjunto com aquilo que também o homem
produziu em outras temporalidades, numa estratégia de soma prudente. O saber é
soma sem centro irradiador da verdade que, não querendo eu cair nos excessos da
pós-modernidade, se apresenta como o modelo descritivo do rizoma de Deleuze e
Gattari, formado pela enunciação desgovernada de impedimentos epistemológicos.
Karnal falou da política brasileira sem cair no sonho da mudança
curativa pós-populismo irresponsável, muito menos no devaneio inocente do golpe
escrachado por este partido político propagado. Versou sobre a felicidade e a
interatividade digital sem precisar de um saudosismo intencional e estratégico
humano, assim como de uma total detração da world wide web como se a mesma nos
arruinasse enquanto civilização. Discursou sobre educação nacional, sem perder
o foco na resolução dos seus problemas e na real compreensão do seu percurso
histórico. Enfim, soube ater-se àquilo que tem propriedade para palestrar.
Interessante que tanto Karnal quanto Feliciano citaram Winston
Churchill em suas falas ao referirem-se à democracia. O primeiro disse que ela,
a democracia, é uma planta que sempre necessita de água, pois corre sempre o
risco de morrer pelas mãos ruins da homogeneização ideológica. O segundo disse
que a democracia permite a emissão de diferentes opiniões e, inclusive, utiliza
tal premissa para dizer que é antinatural aquilo que para muitos é apenas o
amor. Mais uma vez, que bom que a ordem foi essa ao assistir. Fiquei a imaginar
como seria frustrante começar com o bom vinho e terminar apenas com uva
pisoteada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário