Supersticioso: “Deus existe mesmo que você não acredite.” Secular:
“Evolucionismo é algo real mesmo que você não o considere como tal.” Utilizei
essas duas premissas antagônicas para tentar demonstrar como determinados debates
sobre a organização do Universo terminam inócuos em termos de contrastes de
pensamento e destoantes de uma legítima construção de diálogos respeitosos
entre divergentes.
Falemos primeiramente da ideia de Deus. Quando falamos Deus ou
iniciamos uma exposição sobre a ideia de Deus precisamos ter em mente algo
simples: tal ideia é ampla e admite diferentes interpretações, quase todas elas
condicionadas ao arcabouço cultural em que estão inseridas. Por exemplo, seria
algo complicado de efetuar alguém tentar provar que durante a história da
humanidade, a partir de diferentes contextos culturais e sociais, houve em
algum momento um consenso de que todos os deuses acreditados em diferentes
espaços geográficos eram na verdade apenas um. Ou, em termos de significação
daquilo que é Deus, também seria algo de difícil execução sintonizar todas as
suas concepções estéticas e metafísicas construídas em apenas uma. Certamente,
há deuses acreditados que são apenas onipresentes, outros que são apenas
oniscientes, há aqueles que são apenas onipotentes, há aqueles que não reúnem nenhuma
das três características citadas, ou no caso do Cristianismo, há aquele
que é dotado de todas as três características. As possibilidades são enormes e
as tentativas de legitimação absoluta de qualquer uma delas são apenas
pretensões com objetivos individuais e coletivos bem definidos. Estou
aberto a posicionamentos contrários, mas não sei se suplantariam o citado.
Agora
falarei brevemente sobre a teoria evolucionista. Charles Darwin não pesquisou
como tudo teve início. Ele não se debruçou cientificamente sobre a criação do
Universo, mas sim sobre como a vida se desenvolveu na Terra ao longo dos 4,5 bilhões de anos que o planeta
possui. A busca científica sobre a origem da vida ainda é a maior empreitada
que qualquer profissional da biologia evolutiva, da astrobiologia, dentre
outras vertentes de conhecimento científico têm para os próximos séculos.
Portanto, quando falamos da teoria evolucionista estamos iniciando discussões
voltadas à compreensão dos processos de transformação que acometeram a matéria
viva aqui na Terra. E é claro, não se tratando de mais uma opinião humana,
existem amplas evidências de que os seres vivos adaptam-se e transformam-se ao
meio em que vivem em diferentes períodos ou datações. Por exemplo, não existem
fósseis humanos (três milhões de anos atrás os mais antigos) datados com a mesma idade de fósseis de dinossauros da Era
Mesozoica (65 milhões de anos atrás no máximo),
assim como o inverso. De onde provém tal datação? Da técnica do carbono-14, que se colocada em suspeição por alguém, pode claramente
evidenciar a idade de uma árvore de 25 anos morta no quintal de casa, ou a
carcaça de um búfalo de uma década que perdeu a vida devido a um intensa
sede que sofreu, assim como qualquer outro material de qualquer idade catalogado
pela tabela periódica dos elementos químicos.
A superstição ou fé, como queiram, não se baseia em evidências,
mas sim num profundo desejo de verdade. Um desejo que não se condiciona
totalmente à lógica ou à razão, pois admite uma pretensão clara: a defesa da
importância superior do ser humano em relação a outras espécies e a própria
existência. Não existe sequer uma prova empírica ou filosófica que justifique
tal concepção, mesmo que na escala do fazer e do agir nós humanos tenhamos as
mais aperfeiçoadas habilidades, como falar, raciocinar, produzir algo
concretamente ou culturalmente, entretanto, como citei anteriormente a
superstição não precisa de tais evidenciações, tendo em vista que até um 2 + 2
= 5 pode ser aceitável. Trata-se de desejo e satisfação inter-relacionados. Já
quando falamos de ciência na sua forma verdadeira, certamente estamos falando
de desapego a qualquer pretensão humana que incida sobre os resultados finais
de uma análise. Os desejos, as vontades param imediatamente diante do estatuto
da evidência. Eu posso viver cinquenta anos da minha vida acreditando que o
planeta possui 6 mil anos porque o livro que eu considero sagrado assim me
propõe, mas ao verificar através de experimentos confiáveis que isso não se
sustenta em termos de evidências, a seguir, passo a considerar concreto aquilo
que pode ser experimentado por meio do mesmo ceticismo que me faz ser cauteloso
ao comprar o melhor carro novo possível. Todas as pessoas questionam algo,
porém a ampla maioria não questiona aquilo que pode
"inferiorizá-las", tal como o exemplo citado acerca da sua
importância superior. E já que o tema é a teoria evolucionista, parece-me claro
que não há verdade mais estremecedora do que essa para prejudicar alguns
desejos humanos comuns como ser especial em relação à vida ou a existência, bem
como ter solidamente petrificada a ideia de que algo maior existe e é ativo nas
nossas vidas. Darwin não se importou justamente com tais pretensões ao
desenvolver e conhecimento científico da evolução das espécies. Trocou desejos
de verdade, por uma busca pela verdade inacabada, aberta, que talvez estivesse
até mesmo errada. Algo que não apetece a maioria dos seres humanos, pois
desreveste a existência de ornamentos misteriosos e agradáveis às nossas
pretensões.
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