terça-feira, 19 de janeiro de 2016

ESCOLHA, DIVIRJA, RESPEITE

Supersticioso: “Deus existe mesmo que você não acredite.” Secular: “Evolucionismo é algo real mesmo que você não o considere como tal.” Utilizei essas duas premissas antagônicas para tentar demonstrar como determinados debates sobre a organização do Universo terminam inócuos em termos de contrastes de pensamento e destoantes de uma legítima construção de diálogos respeitosos entre divergentes.


Falemos primeiramente da ideia de Deus. Quando falamos Deus ou iniciamos uma exposição sobre a ideia de Deus precisamos ter em mente algo simples: tal ideia é ampla e admite diferentes interpretações, quase todas elas condicionadas ao arcabouço cultural em que estão inseridas. Por exemplo, seria algo complicado de efetuar alguém tentar provar que durante a história da humanidade, a partir de diferentes contextos culturais e sociais, houve em algum momento um consenso de que todos os deuses acreditados em diferentes espaços geográficos eram na verdade apenas um. Ou, em termos de significação daquilo que é Deus, também seria algo de difícil execução sintonizar todas as suas concepções estéticas e metafísicas construídas em apenas uma. Certamente, há deuses acreditados que são apenas onipresentes, outros que são apenas oniscientes, há aqueles que são apenas onipotentes, há aqueles que não reúnem nenhuma das três características citadas, ou no caso do Cristianismo, há aquele que é dotado de todas as três características. As possibilidades são enormes e as tentativas de legitimação absoluta de qualquer uma delas são apenas pretensões com objetivos individuais e coletivos bem definidos. Estou aberto a posicionamentos contrários, mas não sei se suplantariam o citado.
Agora falarei brevemente sobre a teoria evolucionista. Charles Darwin não pesquisou como tudo teve início. Ele não se debruçou cientificamente sobre a criação do Universo, mas sim sobre como a vida se desenvolveu na Terra ao longo dos 4,5 bilhões de anos que o planeta possui. A busca científica sobre a origem da vida ainda é a maior empreitada que qualquer profissional da biologia evolutiva, da astrobiologia, dentre outras vertentes de conhecimento científico têm para os próximos séculos. Portanto, quando falamos da teoria evolucionista estamos iniciando discussões voltadas à compreensão dos processos de transformação que acometeram a matéria viva aqui na Terra. E é claro, não se tratando de mais uma opinião humana, existem amplas evidências de que os seres vivos adaptam-se e transformam-se ao meio em que vivem em diferentes períodos ou datações. Por exemplo, não existem fósseis humanos (três milhões de anos atrás os mais antigos) datados com a mesma idade de fósseis de dinossauros da Era Mesozoica (65 milhões de anos atrás no máximo), assim como o inverso. De onde provém tal datação? Da técnica do carbono-14, que se colocada em suspeição por alguém, pode claramente evidenciar a idade de uma árvore de 25 anos morta no quintal de casa, ou a carcaça de um búfalo de uma década que perdeu a vida devido a um intensa sede que sofreu, assim como qualquer outro material de qualquer idade catalogado pela tabela periódica dos elementos químicos.
A superstição ou fé, como queiram, não se baseia em evidências, mas sim num profundo desejo de verdade. Um desejo que não se condiciona totalmente à lógica ou à razão, pois admite uma pretensão clara: a defesa da importância superior do ser humano em relação a outras espécies e a própria existência. Não existe sequer uma prova empírica ou filosófica que justifique tal concepção, mesmo que na escala do fazer e do agir nós humanos tenhamos as mais aperfeiçoadas habilidades, como falar, raciocinar, produzir algo concretamente ou culturalmente, entretanto, como citei anteriormente a superstição não precisa de tais evidenciações, tendo em vista que até um 2 + 2 = 5 pode ser aceitável. Trata-se de desejo e satisfação inter-relacionados. Já quando falamos de ciência na sua forma verdadeira, certamente estamos falando de desapego a qualquer pretensão humana que incida sobre os resultados finais de uma análise. Os desejos, as vontades param imediatamente diante do estatuto da evidência. Eu posso viver cinquenta anos da minha vida acreditando que o planeta possui 6 mil anos porque o livro que eu considero sagrado assim me propõe, mas ao verificar através de experimentos confiáveis que isso não se sustenta em termos de evidências, a seguir, passo a considerar concreto aquilo que pode ser experimentado por meio do mesmo ceticismo que me faz ser cauteloso ao comprar o melhor carro novo possível. Todas as pessoas questionam algo, porém a ampla maioria não questiona aquilo que pode "inferiorizá-las", tal como o exemplo citado acerca da sua importância superior. E já que o tema é a teoria evolucionista, parece-me claro que não há verdade mais estremecedora do que essa para prejudicar alguns desejos humanos comuns como ser especial em relação à vida ou a existência, bem como ter solidamente petrificada a ideia de que algo maior existe e é ativo nas nossas vidas. Darwin não se importou justamente com tais pretensões ao desenvolver e conhecimento científico da evolução das espécies. Trocou desejos de verdade, por uma busca pela verdade inacabada, aberta, que talvez estivesse até mesmo errada. Algo que não apetece a maioria dos seres humanos, pois desreveste a existência de ornamentos misteriosos e agradáveis às nossas pretensões.
          Ciência e fé procuram explicar a vida a partir de métodos amplamente antagônicos de verificação da verdade. É possível conviver com as diferenças de pensamento sem provocar cisões de relacionamento e intolerâncias inconsequentes que produzam efeitos negativos para a individualidade a e coletividade. A ciência, que nada mais é do que a oportunidade de ver e interpretar as coisas se corrige a cada instante, a cada nova evidência que surge em uma pesquisa cética sobre a vida. Não está preocupada em admitir seus erros e procurar corrigi-los. A superstição ou fé é carregada de pretensões, emoções e sentimentos que guiam a verdade das coisas ao sabor das nossas vontades. Não está preocupada em se corrigir, em se autocriticar, mas em se manter estável e forte na consagração dos nossos sentimentos. Como o nosso desejo de eternidade. Cabe a nós seres humanos decidir qual a nossa visão de mundo e qual o nosso posicionamento diante das visões diferentes. Eu escolho incondicionalmente a ciência e seu esforço na busca pela verdade das coisas, tal como a teoria evolucionista tem feito, sempre disposto a entender e respeitar aqueles que apontam alguma superioridade existencial para a espécie humana ou aqueles que sustentam a ideia de Deus, que para mim é ampla, discutível e não verificável.

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