terça-feira, 29 de setembro de 2020

A POLÍTICA NÃO PASSA E AS AMIZADES MUITAS VEZES NEM FICAM

            De dois em dois anos esse clichê retórico entra em cena: “A política passa e as amizades ficam. ” É uma sentença simples, atrativa e que denota superficialmente uma suposta empatia que devemos ter para com os nossos pares e parentes, considerando que o PROCESSO ELEITORAL é confundido com uma das mais belas e necessárias engenhosidades humanas: A POLÍTICA.

            O processo eleitoral ou campanha eleitoral tem sim prazo de validade. E ainda bem que tem, pois quando nos debruçamos analiticamente sobre o mesmo em uma cidade pequena, tal como a nossa Cachoeira de Cebolas, percebemos que as más interpretações e os vícios que o estruturam tendem a perpetuar determinadas práticas e comportamentos altamente ruidosos e desnecessários.

            No que diz respeito à política, e desde já temos que entendê-la com uma prática sistematizada de governo, que incide em ações desenvolvidas para o uso da coletividade, por meio de representantes legitimamente eleitos para os seus respectivos cargos de atuação, essa sim não passa. Aliás, nunca passa, pois do contrário incorreríamos na chamada “anomia”, conceito este que exprime a ideia de desorganização social efetivada a partir da ausência de leis ou modelos de gestão. Seriamos nós capazes de organizarmos o coletivo estrutural da sociedade que temos por meio da tese do não-governo? Para Bakunin ou Proudhon sim, defensores de estruturada, farta e metódica tese anárquica. Mas vamos ao que interessa: Porque a política não passa e as amizades as vezes sim?

            A política não passa porque é uma constante. É um método de atuação dotado de características próprias e que regula a nossa sociedade em diferentes vertentes de consumo. É a política que traduz o sentimento do coletivo em estratégias e ações que serão mais tarde depositadas para uso de todos, conferindo a determinados indivíduos o poder da ação de governo e a outros a capacidade de apropriação das citadas estratégias e ações através do estatuto de governados.

            A política é abrangente. Ela incide mesmo naqueles que se dizem “apolíticos”, termo este que se investe de enorme materialidade paradoxal, tendo em vista que o próprio ato de se intitular como apolítico, por si só já se configura como um ato político. Não há como escapar da política porque ela nos cerca com a sua rede de micro receptações e micro atuações que cada um de nós, enquanto seres sociais, desempenhamos no tecido da existência. A política é também atemporal, diga-se de passagem. Ela não possui prazo de término, levando em consideração sua capacidade de adaptação a diferentes contextos históricos de gestão.

            No que diz respeito às amizades ou aos afetos parentais, porque os mesmos, ou alguns deles não resistiriam ao processo eleitoral? Qual a relação circunscrita em tal ideia?

            Podemos iniciar a defesa de tal pensamento observando aquilo que antes foi mencionado: más interpretações gestadas sobre o que é o processo eleitoral e sobre o que é a política. Termos que denotam significados diferentes, mesmo com relações de proximidade. É nítido que não podemos cair na sedução generalista de considerar toda ou qualquer pessoa que ainda não entende essa distinção conceitual como alguém que age em prejuízo do outro, pois, a título de obviedade, existem aqueles que ainda não tiveram a oportunidade de saber sobre o tema, para, por conseguinte, proceder existencialmente de maneira adequada perante o período em exame e perante pessoas que os rodeiam.

            Mas há um grupo em específico: os que agem pelo fio condutor das velhas práticas de politicalha que, quando verticalizadas, produzem no eleitor mais sentimentos torpes e desconexos do que uma prudência de atuação no campo político. Estes, muitas vezes extrapolam o limite da complacência e da cordialidade que por eles pode ser dada, por não enxergarem as coisas tais como elas são ou a realidade tal como ela é. Usam da verdade subjetiva, necessária inclusive a qualquer confronto de ideias, para a extorsão da tranquilidade alheia. Entre xingamentos e conceituações pejorativas, atos de omissão e hipocrisia acentuada, bem como alguns traços de interesses puramente pessoais, tais indivíduos em muito pouco contribuem para a saúde social de qualquer localidade e, consequentemente se eivam inaptos para a edificação da saúde mental de quem com eles possui vínculos ou contatos.

            Vínculos e contatos podem sim ser desfeitos. E não há nada de errado com isso, pois cada pessoa pode e deve estabelecer para si relacionamentos saudáveis e construtivos, a partir da observação crítica das personalidades próximas. Aquilo que é de verdade é forte e inabalável: um amigo, um familiar ou parente próximo ou distante. Aquilo que é espúrio se desmancha no ar, ao contrário do que diz Marshall Berman sobre a solidez social que se desfez historicamente, quando lembramos da sua obra que critica os estragos comportamentais e individuais advindos com a modernidade.

        Enfim, a política fica e deve ficar. Não podemos dizer o mesmo daqueles que não nos proporcionam bons estados fisiológicos. Quem passem e passem bem longe. Onde a vista não alcança.

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